Entrevista com o Dr. Miguel Pedroso

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“[…] eles tiraram o hangout e nós, do setor, ficamos a ver navios.”

Em outubro de 2013, na cidade de Salto no interior de São Paulo, foi realizada a primeira cirurgia auxiliada pelo Google Glass, especificamente, uma videolaparoscopia. O responsável por realizar esse procedimento foi o coloproctologista e cirurgião geral, Dr. Miguel Pedroso, que também é coordenador do Instituto Lubeck, instituição de ensino e pesquisa de cirurgias como a realizada pelo Google Glass.

Recentemente, o Dr. Pedroso e o Instituto Lubeck viram no Google Glass a possibilidade de melhorar o trabalho realizado pelo instituto, e optaram por implementarem o dispositivo em outros procedimentos cirúrgicos semelhantes ao realizado em outubro do ano passado, com a intenção de fazerem preceptorias a distância, porém, desde o teste realizado com o gadget até hoje, muitas coisas mudaram em ralação ao dispositivo e por consequência, obrigaram o setor de saúde e o Instituto Lubeck a modificarem sua ideia inicial com o Google Glass.

Acompanhe a seguir, uma entrevista com o Dr. Miguel Pedroso sobre a presença do Google Glass no setor médico e como isso transformou a medicina e o jeito de ensinar do Instituto Lubeck.

Isabela Maciel: O senhor realizou um procedimento cirúrgico utilizando o Google Glass. Como foi essa experiência?

Miguel Pedroso: Vou te explicar o que nós fizemos com a colaboração do Google Glass. Nós (Instituto Lubeck), temos um programa de treinamento de cirurgiões do Brasil e da América Latina, voltada para o câncer no intestino e de diverticulite, através de um procedimento de laparoscopia que é uma técnica muito melhor do que a cirurgia aberta, para você ter uma ideia, esse procedimento tem 50% a menos de complicação.

Então, desenvolvemos uma metodologia de treinamento em que o aluno recebe o material didático em casa, estuda e quando ele vem para o curso ele tem a possibilidade de rever todo aquele material e inclusive assistir a uma cirurgia. Ao voltar para o hospital na cidade dele, nós mandávamos um médico preceptor. Porém, o Brasil é muito grande! E isso foi um levantamento que fizemos e que nos mostrou que o deslocamento desses médicos preceptores custava muito tempo, dinheiro e estadia.

A solução que encontramos para isso foi embutir aquele material didático no Google Glass e depois dos estudos, quando esse aluno fosse realizar a cirurgia, através do comando de voz, ele diria, por exemplo: “Ok Glass! Secção da veia mesentérica” e ele assistiria um exemplo dessa cirurgia e depois estaria apto a iniciar o procedimento. Se durante a cirurgia ele tivesse alguma dúvida, ele pediria para o Glass filmar e mandaria para o médico preceptor pelo canal de internet e dessa forma, esse preceptor poderia estar na China, que ele receberia. Após receber o arquivo que o aluno enviou, o preceptor iria opinar e devolver a imagem desenhada com as correções para a lente do Google Glass.

IM: Mas na prática, aconteceu o que vocês esperavam?

MP: O que aconteceu foi um pouco diferente. Quando nós fizemos a primeira cirurgia com o Google Glass em outubro do ano passado, aconteceram algumas coisas… Primeiramente, o cirurgião quando está lá operando, ele não para com a cabeça. Então você opera uma laparoscopia olhando para uma tela, que mostra tudo o que está acontecendo lá dentro, mas como o cirurgião não fica com a cabeça parada, ao tentarmos passar as imagens para o preceptor, ela chegava toda torcida. Então, o médico que recebia essas imagens, chegava a sentir até náuseas.

Outro problema foi à distância. Quando mandávamos esses vídeos para o preceptor havia uma perda de detalhes e isso também era um problema, porque não permitia que o preceptor pudesse opinar com muita precisão, ele só conseguia falar a nível genérico.

Mesmo com esses problemas, a esperança era que o Google melhorasse isso no Google Glass, mas em vez disso, eles tiraram o hangout e nós do setor ficamos a ver navios.

IM: E agora que vocês estão sem o hangout e por consequência, sem o usar o Google Glass, como vocês estão se virando, por assim dizer?

MP: Diante disso, nós desenvolvemos um aparelho que se chama Endostreamer e que capta essa imagem (da cirurgia), joga para algum canal na internet e o cirurgião pode mandar esse material para qualquer lugar do mundo e a pessoa que recebe essas imagens pode conversar com o aluno em tempo real, desenhar as correções nas imagens na hora e mandar de volta para esse aparelho, que por consequência, vai enviar de volta para o aluno. Então, aquilo que o Glass fazia, nós conseguimos fazer com um Ipad, por exemplo.

IM: Então, o Google Glass não faz falta?

MP: Na verdade, é apenas uma forma alternativa de sair fora dessa dependência do hangout e não ter essa necessidade do Google Glass. Agora, a diferença de tudo isso, é que com o Glass você consegue gerenciar tudo por comando de voz, coisa que não é possível com o Endostreamer e talvez nesse sentido o Glass faça falta.

IM: Diante desse aparelho que vocês criaram, é possível considerar o Google Glass um abre portas para novos dispositivos como esse?

MP: Sim! A inclusão do Google Glass pode não ter dado tão certo assim, mas ele tem muita importância, porque a presença dele trouxe ideias que o mundo não entendia. São ideias simples e básicas, como esse equipamento que nós desenvolvemos. Então, eu considero o Google Glass um criador de ideias.

IM: Ele é melhor como criador de ideias do que como dispositivo?

MP: Não. Na verdade ele é um dispositivo muito bom. Você consegue lincar ele com o smarthphone e pode usar ele como telefone, por exemplo.

IM: Então, porque usar o Google Glass na medicina?

MP: Existe uma dúvida atualmente se ele vai continuar nesse setor. Na verdade, existem dois conceitos de mundo bem definidos: o mundo online e o mundo off-line.

Antigamente, nós só estávamos no mundo online quando estávamos na nossa casa ou no nosso escritório. Depois disso vieram os smarthphones e isso foi fundindo. Ou seja, você consegue ficar online em qualquer lugar, mas até agora no ato cirúrgico, o cirurgião sempre ficou totalmente off-line. Para nós, desse setor, o Google Glass era a chance de fundir esses dois mundos…

IM: E agora? Qual a situação do Google Glass nesse setor?

MP: O sistema de vídeo conferência do Glass, ou seja, o hangout, o Google simplesmente retirou. Então, não existe hoje vídeo conferência com o Glass, você está limitado a fotografar, filmar e gravar e depois você baixa esses arquivos para algum lugar e envia ou publica na internet de alguma outra forma, mas não em tempo real. E isso é um tremendo desfalque.

IM: Um desfalque especialmente para o setor médico, um setor que o Google estava tentando conquistar…

MP: Acho que se tornou um tremendo desfalque não só para o setor médico, mais para todos que usam dispositivo. Os bombeiros dos Estados Unidos, por exemplo, estavam fazendo um trabalho fantástico com o Google Glass e eu acredito que se o Google não recolocar o hangout no dispositivo, tudo vai acabar se perdendo. O Glass simplesmente acaba.

IM: Certo, mas diante de tudo o que o senhor me disse, me parece que o Google Glass se encaixa melhor no dia-a-dia de um indivíduo do que dentro do setor de saúde. É isso?

DSCF1974MP: A realidade é que todo mundo acreditava que o Google Glass iria revolucionar o profissional liberal. Então, seriam os dentistas, médicos, engenheiros, veterinários… E isso tudo só poderá ser considerado verdade dependendo do modo como o Glass irá voltar, isso se voltar. No começo, quando ele foi lançado, ele explodiu. Era uma tecnologia nova e cheia de promessas, mas depois começaram a surgir outros problemas, entre eles, esse que eu te falei do setor médico e eu ouvi falar que nos Estados Unidos o Glass está enfrentando um problema jurídico, porque não pode dirigir usando ele, nem ir ao banheiro. Ele está sendo considerada uma invasão de privacidade.

IM: Existe uma relutância dos médicos mais velhos em relação às tecnologias mais novas, como o Google Glass?                             

MP: Os profissionais mais novos já entram embutidos nisso, nesse tipo de tecnologia. Agora com os mais antigos, isso muda. Mas eu acredito na ideia de que se ele (Google Glass) estando à disposição será criado programas fáceis de navegação. Mesmo assim, existe essa relutância porque tudo que é novo cria essa reação.

Mesmo esse equipamento que nós criamos aqui, teve uma reação adversa de inicio, mas isso muda a partir do momento que tecnologias como o Google Glass passam a se tornar fáceis. Dá para tornar fácil, mas o desenvolvimento do aplicativo para que ele chegue a esse nível de facilidade que estamos falando aqui, é complicado e muito caro.

IM: O senhor acredita que essa relutância em aceitar o Google Glass seja uma questão cultural?

MP: Eu acho que o mundo é feito de verdades transitórias, ou seja, naquele momento aquela verdade vale, passou algum tempo, essa verdade deixa de ser verdade. E eu acho que é isso que vai acontecer com o Glass, ele é uma baita ferramenta. Tanto que existem outras empresas copiando, mais ou menos as funcionalidades do Glass.

IM: O que o senhor mudaria no Google Glass?

MP: O hangout! Porque, nós usamos dois sistemas de vídeo conferência: o hangout e o Skype. Se formos comparar os dois, o Skype é muito melhor. Em termos de imagem e voz. Já o hangout, deixa a desejar, infelizmente. Dentro dele, você pode trazer tomografia, consultas, exames e hoje está crescendo muito essa coisa de imagem 3D. Mas se eu tivesse que fazer um pedido ao Google é que continue com o Glass e o desenvolva para a medicina. Resolva as necessidades que esse setor tem com o Glass.

 

 

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